É assim que funciona.
Conheco vários casos assim, mas vou citar apenas um peculiar, que acompanho de perto... Vou usar nomes fictícios.
Desde criança seu Fabrício mostrou-se um pouco diferente dos outros, sempre preferiu se isolar, não reagia normalmente a um estímulo, parecia apático, demorou a falar e reagia a tudo com indiferença. Sua mãe sempre se preocupou muito com esse comportamento diferenciado, mas como na época não havia muito conhecimento e difusão de tratamentos psicológicos não havia muita coisa que ela pudesse fazer, as coisas teriam que se resolver por si só.
O tempo passou e seu Fabrício cresceu, tornando-se um adulto desconfiado, de poucos amigos, mas aparentemente bastante simpático e carismático. Conquistador, ele sempre teve facilidade de cativar as pessoas, mas tinha muita dificuldade quando as relações se aprofundavam, nessa hora ele fugia. Sendo assim, ele teve diversos casos amorosos, poucos namoros, breves, sem muito envolvimento.
Aos 18 anos seu Fabrício não aguentava mais dividir a casa com os pais e irmãos e por isso optou -à contra gosto da mãe- por morar sozinho, ele queria ter um lugar só pra si, queria viver sozinho.
Um de seus relacionamentos instáveis e breves gerou dois filhos, e seu Fabrício ainda tinha vinte e poucos anos de idade. Mais tarde ele casou-se duas vezes, mas seus relacionamentos pareciam nunca dar certo. Talvez seu Fabrício tivesse consciência de que tinha dificuldade em relacionar-se com as pessoas ao seu redor, talvez não percebesse isso. O fato é que ele jamais admitiu que o problema estava nele, ele dizia sempre que o problema estava nos outros... E por isso nunca tomou a iniciativa de buscar ajuda.
Agora na faixa dos 40 anos, seu Fabrício tem dois filhos adultos (de vinte e poucos anos) e se preocupa bastante com um de deles, o Orlando, que tornou-se extremamente isolado, tem poucos amigos e evita contato com familiares, inclusive com os que moram com ele (seu Fabrício, por exemplo). Seu Fabrício se deu conta de como é difícil estabelecer uma relação com seu filho Orlando, que dá mais atenção ao computador do que ao pai.
Diante dessa situação seu Fabrício resolve buscar ajuda para o filho, claro, pois na sua cabeça quem tem algum problema é o filho, e não ele. Pra nós que estamos de fora é fácil perceber que seu Fabrício vive agora o outro lado da história, que um dia ele foi o 'filho problemático' e agora ele é o pai preocupado, mas ele não se dá conta disso, não enxerga no filho o espelho de si.
Com tantos problemas, seu Fabrício nem se dá conta de que o seu outro filho, Daniel, também tem problemas de relacionamento e socialização, talvez pelo fato dele ser parecido com o pai, atencioso, gentil e cativante. Daniel é carismático e por isso vive cercado de amigos e gosta muito de estar com os familiares -diferentemente do seu irmão Orlando- mas ainda assim não consegue estabelecer relações que não sejam superficiais.
Em outras palavras, cada um da sua maneira, os dois filhos de seu Fabrício apresentam a mesma dificuldade do pai e cada um sofre ao seu modo.
Quando busca ajuda para tratar os problemas do Orlando, seu Fabrício ouve da psicóloga que precisa fazer uma terapia familiar, que a família está doente e não só o seu filho, este seria somente a ponta do iceberg, que fez a família toda ir atrás de um tratamento. Seu Fabrício julga a psicóloga como louca, afinal ele diz e repete que não tem problema nenhum, que o problema é do seu filho.
Orlando começa o tratamento individual e, dizendo que não tem problema algum, logo abandona a terapia.
Alguns anos depois desse episódio seu Fabrício resolve ter outro filho com sua atual esposa. Nasce então o seu terceiro filho, Paulo, logo em seguida, meses depois, seu Fabrício separa-se da mulher. Relações instáveis.... Dificuldades.... Mas nada de admitir e buscar ajuda.
Desde cedo, aos dois anos, Paulinho recebe algumas advertências da escola, relacionadas à falta de atenção e dificuldade de socialização com as outras crianças. Paulinho parece viver num mundo paralelo e se nega a interagir com outras pessoas que não sejam sua mãe, seus pais ou seus irmãos.
Apesar de todo o histórico familiar seu Fabrício não sentiu qualquer dejavú, ao contrário, ficou surpreso pelo fato do filho ter dificuldades de socialização.Por que tanta surpresa? Basta se olhar no espelho, olhar para os outros dois filhos. O que seu Fabrício pensou, que ia fugir o seu problema? A partir do momento que se fecha os olhos pra um problema ele continua crescendo, mesmo que você não queira ver.
Hoje seu Fabrício está muito preocupado com o filho caçula, quer que ele seja tratado e acompanhado desde cedo por profissionais, mas ainda não foi capaz de enxergar a origem do problema, de onde tudo surgiu, não é capaz ainda de admitir que precisa de ajuda. Ele bem que tentou fugir, ignorar o problema, mas este permaneceu ao seu lado; é assim que acontece.
[Mente Hiperativa]
Nenhum comentário:
Postar um comentário