Estou lendo um livro muito interessante da Ana Beatriz Barbosa chamado "Mentes inquietas", que trata de problemas como o déficit de atenção e a hiperatividade de uma forma direta e simples. Dentre os diversos trechos que achei interessante, resolvi postar um em que a autora diferencia os dois tipos básicos de distúrbios de atenção -a hiperatividade e o déficit de atenção- e deixa explícito sobre qual sexo encontramos a maior incidência de cada um desses dois tipos. Aí vai:Todo dia era sempre a mesma coisa. Mal começava a dar sua aula, a professora primária se via às voltas com as reações em cadeia provocadas na classe por Flavinho. Aquele menino endiabrado e, ainda assim, adorável, apelidado pelos colegas de ”o Pestinha”, menos por ter o mesmo cabelo liso e acobreado do protagonista do filme homônimo, porém, mais pelo mesmo comportamento. Ou melhor, falta dele.
Seus movimentos eram mais rápidos do que o olhar da professorinha podia acompanhar, restando a ela sentir o deslocamento de ar por ele provocado. Popularmente falando, ele deixava um ”ventinho” por onde passava, além de causar enorme ansiedade à pobre ”tia”, que, além de todos os afazeres, ainda precisava localizar o menino em aula, já que sentado quieto em sua carteira certamente não estaria. Isso sem falar na bagunça generalizada, nos ”crashs”, ”turns” e ”aaiiis” que faziam seu coração disparar.
Sim, ela já tinha ouvido falar em meninos assim na faculdade de Pedagogia. Ele só podia ser hiperativo! Precisava falar com a psico-pedagoga da escola, pois ele devia ter o chamado Distúrbio do Déficit de Atenção. Totalmente preocupada em pôr fim à guerrinha de bolinhas de papel iniciada por Flavinho, a jovem professora estava alheia por completo à menina sentada na fila da parede, lá pelo meio da sala, olhando pensativa pela janela e que parecia não se dar conta da divertida bagunça que campeava entre seus coleguinhas.
Todos os dias eram assim e aparentemente não havia por que se preocupar com aquela tranqüila menininha, que mal se mexia em sua cadeira. Mas o que a professora não sabia era que por debaixo da antiga carteira escolar de madeira escura, inteiriça, um par de pezinhos balançava irrequieto, na mesma velocidade dos pensamentos de sua dona, que adoraria estar cavalgando sobre aquela nuvem. "Ela parece um camelo do deserto. Ou seria um dro... um dromedário... Ah, não sei! Mas um tem duas corcundas, outro tem uma. O daquela nuvem só tem uma, E deve ser bem macia, tipo algodão... e eu veria tudo pequenino lá de cima...”. Então seus olhos captaram algo dourado movendo-se por sobre o muro da escola, lá embaixo. ”Nossa! Nunca vi um gato tão gordo! E amarelo! E lindo! Parece o Pikachu! Como naquele episódio em que ele pulava a cerca...”
A menininha sonhadora tinha os movimentos do corpo um tanto contidos, mas sua mente saltava rapidamente de um devaneio a outro, ainda mais veloz que as perninhas incansáveis de seu colega ”pestinha”. Seu nome só era lembrado na hora da chamada. Absorta em sua fértil imaginação, ela estava alheia ao ditado que a jovem professorinha estava começando a passar. Por causa disso, seria mais tarde duramente repreendida em casa e, muito nova ainda para relativizar as coisas, aceitaria de pronto todos os adjetivos com que seus pais a definiam: preguiçosa, relaxada, ”abilolada”.
Invisível para sua professora, que, preocupada demais com Flavinho, só a notava momentaneamente, quando percebia sua desatenção aos deveres em sala de aula, ela atravessaria os anos sofrendo com sua distratibilidade crônica, ainda que criativa, perdendo auto-estima, à medida que ganhava altura e peso. E hormônios. Seu colega Flavinho, diagnosticado precocemente, não precisou passar pela mesma carga de sofrimento.
[Mente Hiperativa]
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